A arte e a diáspora de Jorge dos Anjos

Por Well Mendes – Jornalista

Na Saramenha de 1957, em Ouro Preto, bem ao lado da fábrica de alumínio, nascia Jorge dos Anjos, o artista que alia suas raízes à linguagem que constrói ao longo de obras versáteis e expressivas. Desde pequeno, cresceu na vila operária. O pai, que era funcionário na fábrica, sempre percebeu a potência dele para a arte.

Mas não foi só a figura paterna que notou e incentivou o talento do artista nos primeiros anos. Já no ensino fundamental, a veia artística pulsante e o talento inegável chamavam a atenção na escola. Ainda menino, à beira dos sete anos, já sabia que seria pintor. Sem perder tempo, aos oito, começou a ter aulas particulares de pintura no centro de Ouro Preto.

Aos treze, decidiu mudar sua rotina em função do sonho: passou a estudar o ensino regular à noite para se dedicar à arte e estudar na Escola de  Arte  Rodrigo  Melo  Franco  de Andrade, criada por Annamélia e Nello Nunes que, em 1969, foi integrada à recém-criada Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP). Lá, estudou até os dezoito anos e, depois de formado, lecionou arte por 15 anos.

Uma característica marcante de Jorge dos Anjos é a versatilidade de suas obras. Começou com desenho quando era criança, mas logo percebeu sua paixão pela pintura à qual se dedicou. Mesmo utilizando a pintura como linguagem, continuou utilizando outras formas de expressão. Sempre desenhou bastante e frequentou cursos de desenho, fez xilogravuras e gravuras em metais. Sua curiosidade o levou a fazer modelagem e um pouco de escultura, além de um curso de restauração de obras. Porém, naquele período, sua linguagem principal era a pintura.

Durante o tempo de estudo e docência na escola de arte,  conheceu algumas das referências que leva para a vida e que foram importantes para a construção de sua linguagem artística:Jair Afonso Inácio que, embora não tenha ganho reconhecimento como pintor, era um grande restaurador e pintor. Outro artista fundamental em sua trajetória foi Nello Nuno com quem aprendeu que podia ir além com o pincel. “Aprendi com o Nello que eu podia, além de retratar e observar a paisagem, contar histórias e fazer poesias através da pintura, o que abriu meu horizonte”, conta.

Outra referência é Ana Amélia, sua primeira professora de desenho. Foi marcante por ter lhe concedido uma orientação fundada nos valores da linguagem e das reflexões que são feitas a partir da observação. Além dela, Amílcar de Castro também foi fundamental para Jorge, principalmente pelo trabalho que ele desenvolve hoje, de escultura e composição.

Vinda para a capital

Jorge mudou-se para Belo Horizonte em 1998, já com três filhos. Tinha se separado e estava difícil viver em Ouro Preto.  Lá, já trabalhava com escultura, porém não via espaço para seu trabalho naquela cidade histórica. A busca por um espaço para realizar seu trabalho da forma como gostaria de realizar foi um dos motivos que o levou a vir para a capital mineira. “Eu precisava de uma metrópole, de uma relação com a arquitetura, com a cidade”, conta.

Embora tenha começado com o desenho, a relação que construiu com a escultura foi um processo natural. “Foi a partir do desenho, porque o desenho é uma maneira de pensar. O desenho que me levou à escultura. E a escultura é a linguagem que eu vim desenvolvendo de lá para cá”.

Quando questionado sobre o motivo que o levou a construir esculturas com o aço,  explica que o aço lhe permite fazer monumentos maiores, que ocupam uma porção maior do espaço público. “Acho que é minha vocação na escultura. E acho que tem uma relação com o Amílcar de Castro, que também é uma das minhas referências”. Entretanto, não é só com o aço que Jorge trabalha. Também usa outros materiais como a madeira e a pedra sabão. Muitas coisas que ele produz são misturas de pedra sabão com aço.

Segundo ele, as peças são feitas de forma livre. Durante o processo – e dependendo da demanda –, não se prende ao lugar para onde as peças vão antes de fazê-las ou se alguém vai comprá-las. Ele as cria livremente, prezando por sua liberdade artística na criação. Quando a demanda é específica para espaços públicos, com as áreas definidas, o artista trabalha com peças que ocupam o espaço em uma escala maior.

A ancestralidade nas obras

A trajetória de aprendizado e de incorporação com a cultura negra é pulsante no trabalho de Jorge dos Anjos, e as raízes africanas em suas obras decorrem de seu processo de aprendizagem na arte. Desde o começo, aprendeu com Nelo Nuno que podia contar histórias com a pintura, e criar narrativas próprias e únicas com seus trabalhos. Isso o motivou a ter obras mais representativas e a questionar suas pinturas. “Por que não poderia ser uma pessoa negra na pintura?”, questionava. Enquanto, para ele, essa incorporação foi um processo, para Amílcar de Castro a ancestralidade negra já estava presente na linguagem das obras de Jorge.

Desde os 14 anos, sempre busca essa incorporação da cultura negra nas obras como escolha. Foi algo que sentiu vontade de resgatar. Com o tempo e a maturidade, conseguiu chegar próximo daquilo que buscava em suas primeiras obras representativas. E não parou: até hoje continua buscando a ancestralidade, se aprofundando e criando a partir de referências culturais negras.

Durante sua trajetória, Jorge teve contato com a obra de Rubem Valentim e viu que o artista também trazia referências africanas assim como as que ele buscava, despertando familiaridade com o artista.“Eu também fui buscar nas fontes da cultura africana. Eu fui ao Candomblé ver referências, fui ao samba, tudo era referência”, pontua.

Desde pequeno, sempre teve apoio dos familiares para sua arte. Quando começou a pintar, ainda na escola em Ouro Preto, utilizava a estrutura que a instituição disponibilizava, por isso não precisou financiar materiais próprios naquela época, o que foi importante para sua carreira artística.

Quando começou a trabalhar com esculturas, queria fazer peças em aço, mas não tinha como custear todo o material, que é mais caro. A partir daí,  começou a aliar sua visão empreendedora com o anseio de produzir obras maiores, em outros materiais. Começou a utilizar o dinheiro que recebia com a pintura e com outros trabalhos, como aquarelas, para pagar as contas e os materiais que precisava. “O resultado de uma venda era para fazer mais obras”, explica.

Inspirações para o formato

O formato das esculturas de aço de Jorge dos Anjos é baseado nas raízes da herança africana, mas também tem raízes no construtivismo e na organização do espaço, algo influenciado pelo trabalho de Amílcar de Castro. Jorge afirma que o impulso também está em seu âmago. “Vem muita da africanidade, que não é do pensamento, mas de uma coisa que vem do umbigo, das entranhas e da memória, e é outro valor que eu coloco dentro da construção”, explica. Para ele, a inspiração vem da vida, das relações afetivas, das paisagens, do local de trabalho, do convívio com as pessoas, da cultura e da vida.

Jorge não tem ideia do número de peças que produz porque não contabiliza. Também não possui nenhuma peça preferida, embora o Portal da Memória seja uma escultura importante para ele, para a comunidade e para a religiosidade.  “Quando o outro se vê na minha obra, pra mim é importante”, festeja.

Para artistas que estão começando agora, Jorge tem uma dica importante sobre como se encontrar artisticamente. “Eu acho que tem que buscar ver as coisas que estão sendo feitas, o autoconhecimento, os elementos dentro do seu próprio universo. Não há uma receita. Tem que buscar a motivação dentro da sua vivência, da sua cultura e até do lugar em que você vive. E isso é a vida inteira. Não só pra quem tá começando, mas pra quem já tá no meio também”, sugere o artista.

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