Ela não adormece. Está em constante movimento

Por Samira Reis, Jornalista e Modelo

 

“A noite não adormecerá

jamais nos olhos das fêmeas

pois do nosso sangue-mulher

de nosso líquido lembradiço

em cada gota que jorra

um fio invisível e tônico

pacientemente cose a rede

de nossa milenar resistência.”

O trecho faz parte do poema “A noite não adormece nos olhos das mulheres”, da escritora mineira Conceição Evaristo. Reconhecida internacionalmente por obras como Ponciá Vivêncio e Insubmissas Lágrimas de Mulheres, é uma das grandes referências literárias do nosso país e, também, inspiração para a professora e jornalista Rosália Diogo, estudiosa da vida e obra de Evaristo desde 2008.

“A contundência com a qual ela trabalha em sua produção literária os temas da negritude e da mulher negra, me afetaram no momento e ainda me afetam, profundamente. Ao ingressar no curso de doutorado, em 2009, estava completamente apaixonada pela sua vida e obra, de tal modo que foi muito tranquilo escolher o seu trabalho para pesquisa, em análise comparada com a vida e obra da escritora moçambicana, Paulina Chiziane”, explica.

Desde então, Rosália se tornou referência na capital mineira sobre as publicações da escritora, como também é reconhecida por ocupar espaços importantes e trazer à luz debates necessários ao combate ao racismo, ao machismo, à valorização da cultura africana e afro-brasileira.

O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte – FAN BH – é um dos exemplos dessa trajetória. “O meu envolvimento com o Festival de Arte Negra, FAN, ocorreu em 2015, quando fui convidada para ser uma das curadoras da 8ª edição. No FAN 2017, fui uma das coordenadoras e, atualmente, exerço o mesmo papel na medida que sou Conselheira Municipal de Cultura, representando a Secretaria Municipal de Cultura/Fundação Municipal de Cultura. Uma das agendas que devemos garantir institucionalmente é a realização do FAN. Como expectadora do festival, desde 1995, considero que ele tem cumprido o papel de dar visibilidade às produções culturais de matriz africana em disputa com a produção cultural de outros continentes, sobretudo o europeu”, comenta.

Outro feito consolidado na capital mineira por Rosália é a criação da Revista Canjerê. A publicação é construída pela equipe do Casarão das Artes, coletivo que reúne profissionais de diferentes áreas em prol da cultura afro-brasileira.

O ensejo teve início em 2014, quando morava na Espanha para cursar pós-doutorado. “Convivi mais de perto com uma querida amiga, a artista e filósofa brasileira, que vive por lá, faz alguns anos, Angélica Sátiro, que coordena a Revista Crearmundos, fonte de inspiração.  Quando retornei ao Brasil, em 2015, fiz a proposta de criação da Revista Canjerê para a equipe do Casarão das Artes, que é composta por artista plástico, designers, jornalistas e pesquisadores. Ou seja, a mão de obra para a produção da revista estava pronta e com o aceite de todas as pessoas, a revista se tornou uma linda realidade”, afirma.

Além de atuante no movimento negro, Rosália sempre esteve envolvida com a educação desde a metade da década de 80. No exercício da profissão, compreendeu a importância de desconstruir o racismo nesse ambiente: “Sob à luz dos ideários políticos, protagonizados principalmente pelo educador Paulo Freire, fiz parte da diretoria de duas escolas: uma na região de Venda Nova, nos anos de 1990, outra no bairro Ipê, região Nordeste, nos anos 2000”.

Uma caminhada com início em Nanuque, norte de Minas, trilhada com garra em Belo Horizonte e, agora e sempre, semeando o mundo. Mas não se engane; é apenas o começo.

“Esse meu corpo negro ativista, ideológico, está em constante movimento. Os meus passos vem de longe e vão para muito mais longe, em busca da liberdade, da emancipação das pessoas que estão sendo subjugadas pelo sistema capitalista, machista e classista,Yansã, minha mãe! Eparrey, Oyá!!”.

 

Foto: Ricardo Laf

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