Vila Teixeira resiste

Por Naiara Rodrigues

O Santa Tereza, bairro boêmio de BH que ficou conhecido por ser celeiro de cultural que originou Clube da Esquina, a banda Sepultura, entre outros grupos de renome da música mineira, passou a ganhar destaque pela sua importância dentro da cultura tradicional popular. 

No dia 16 de julho de 2019, a Fundação Palmares concedeu o certificado que reconhece o território da Família Souza, mais conhecido por Vila Teixeira, como terras ocupadas por remanescentes de comunidade de quilombo. “Foi de grande importância na luta que travamos contra o despejo. Desde agosto de 2018, recebemos notificação de reintegração de posse num processo que vinha se arrastando há anos”, destaca uma das lideranças do espaço, Gláucia Cristine. 

O processo na justiça ainda corre sem resolução, mas Gláucia destaca que a busca da história trouxe fôlego para a comunidade que tem registros de pagamento de impostos como IPTU desde a década de 1950. “A gente pode evoluir, mas sem esquecer as raízes. Foi preciso estarmos em perigo para dar uma pausa, poder voltar na nossa história e buscar nossos direitos”, afirma a líder comunitária.

Retomar a história dos Souza é também uma forma de resgate da população negra que fez parte da fundação e da construção da capital no início do século XX. O projeto progressista para a cidade planejada não comportava dentro de seus limites –  determinado pela atual avenida do Contorno – os trabalhadores, incluindo o povo negro recém-abolido. 

Crédito: Reprodução / Facebook Kilombo Souza

A chegada da família a BH se deu na década de 1910 quando o casal dona Eliza da Conceição e senhor Petronillo de Souza vieram de fazendas cafeeiras de São José de Além Paraíba. Eliza, que nasceu sob a lei do Ventre Livre, e seu marido Petronillo, liberto pela Lei Áurea, se instalaram na Zona Leste da cidade em 1923, conforme consta do contrato de compra e venda das terras que precisou ser feito em nome da esposa uma vez que Petrolino era ex-escravo. Com a experiência do campo, a família se dedicou a trabalhos manuais e, principalmente,  a produção de alimentos, abrigando em seus espaços de convivência horta, animais e experiências trazidas do interior, preservando, na dinâmica do trabalho e de vida, a cultura afrodescendente, saberes e tradições. 

Entre eles, celebrações festivas de Cosme e Damião, de São João, de Santo Antônio, entre outras mantidas pela família. “Há um ano, por exemplo, estávamos fazendo a feijoada no dia de São Benedito, único santo negro e protetor das cozinheiras. Esse ano não será possível porque estamos mantendo o distanciamento social para nos proteger”, relata Gláucia e acrescenta que foram suspensos os encontros festivos diante da pandemia do Covid-19.

No requerimento para certificação da comunidade enviado à Fundação Palmares, é possível ver documentos e registros históricos que mostram a linhagem histórica dos Souza que vivem no local há mais de 70 anos e contam, hoje, com 14 famílias de descendentes diretos do casal. “Foi muito gratificante esse processo de resgate. Ao mesmo tempo, muito triste historicamente por rever aqueles livros e saber que o Souza foi um sobrenome que veio porque os escravos recebiam o mesmo sobrenome de seus donos. Ver a luta que foi da minha bisavó e da minha avó nos levou a pensar muitas histórias vividas até os dias de hoje e que precisamos não deixar morrer, pois são ligadas às tradições e aos costumes”, conclui Glácia, bisneta de Eliza, que acredita que todos estão sob a proteção dos ancestrais. 

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