A MINHA BENÇÃO MINHA MÃE, MINHA SENHORA E RAINHA DE MANZO NGUNZO KAIANGO

 Makota Celinha Gonçalves – Coordenadora Geral do CENARAB. Uma mulher apaixonada por Munhandê.

Munhandê é dessas pessoas que para falar dela tenho que me curvar à sua sabedoria de vida. Me lembro até hoje a primeira vez em que fui ao seu Terreiro: era o ano de 1991, era eu uma recém iniciada na matriz africana, cheirando a abô. Fui acompanhada de meu Pai Arabequem, Munhandê que estava celebrando um casamento, uma novidade e uma ousadia para a época.   O Terreiro da rua São Tiago, 216, no Santa Efigênia, transbordava de gente querendo assistir ao casamento. Não me perguntem quem estava se casando que não sei, aliás o Terreiro estava tão cheio que ficamos na rua, apenas com pequenos relances do que acontecia lá dentro. Nunca esqueci esse dia. 

O nome de Munhandê sempre vinha nas rodas e lugares por onde passava, mas não tinha eu a ousadia de ir atrás da mulher mito para lhe tomar a benção. Até que, um dia, uma repórter procurou o CENARAB. Tínhamos uma salinha no Edifício Maleta. Eles estavam atrás de uma mulher liderança de matriz africana para dar uma entrevista, essas coisas que acontecem sempre no mês da consciência negra em nosso país, e o Arataremin (Juninho da Oxum) disse que tinha que ser a Munhandê para dar a entrevista. Me lembro que ligamos para ela e, muito tímida e desconfiada, tentou sair fora, mas não teve jeito e ela concedeu a entrevista. Depois disso, nossa relação foi se estreitando; o Arataremin sempre na minha cola para ajudar a resolver o problema da Munhandê e seu povo. Toda chuva que vinha, era sempre o mesmo medo, as mesmas angústias e assim me aproximei dessa minha referência feminina no candomblé de BH. De lá para cá, é só admiração e respeito, não canso de ouvir suas histórias de lutas e conquistas, de como a mulher preta e favelada, segundo ela, lutou para construir sua trajetória, educar seus filhos e filhas, alguns consanguíneos e inúmeros de coração.

Quando tive a oportunidade de conhecer melhor essa mulher, ela me assustava com sua força e garra. Sua fé inabalável na figura do Pai Benedito, o Preto Velho que a ajudou na criação e orientação de seus filhos, e o amor por Matamba, são aspectos de sua fé que me deixam apaixonada. Sem falar de Exú Paredão, que consome cachaça “Reis” e consegue em suas festas unir inimigos históricos por respeito e admiração. 

Munhandê é um monte de Munhandês, das periferias de BH e do Brasil, uma mãe solo que soube educar suas filhas e seus filhos na mais profunda adversidade, sem permitir que esses perdessem a noção de quem é que manda no pedaço. A casa é da mulher preta, que trabalhou como doméstica, faxineira, lavadeira e que no território é rainha absoluta. Uma quilombola por excelência que traduz para mim o verdadeiro sentido de ser descendente de mulheres negras que construíram suas histórias com muita luta e suor. 

Uma das cenas que não me sai da cabeça, e que para mim retrata a essência dessa mulher preta quilombola, foi um dia estava eu sentada em seu salão conversando, e via uma fila de crianças vindo ser abençoadas pela avó antes de irem para a escola. Para cada uma delas tinha uma benção, e junto destas, uma mão que enfiava no seio e de lá tirava uma moeda, um dinheirinho para a merenda… Os olhinhos eram só agradecimento e a avó Munhandê se completando nos olhinhos alertas e atentos das crianças que se encontravam no aconchego da avó. Fiquei embevecida de ver ali o retrato de minha infância, do amor e aconchego, do carinho e do afeto que essas mães pretas são capazes de oferecer, mesmo tendo, a olhos burgueses, tão pouco a oferecer. Nessa hora entendo, como o tão pouco pode ser muito e significar resistência e resiliência.

A vida me deu muitos presentes e alegrias e dentre estes a possibilidade de ser uma das pessoas contemporânea de Mameto Munhande, uma mulher à frente de seu tempo que tanto me ensina com sua humildade, sensibilidade e generosidade, mas, acima de tudo, com sua sabedoria. Munhandê para mim é a feminista nata, que talvez, mesmo sem entender o rebuscado dos conceitos, construiu uma dinastia de mulheres pretas e poderosas nesta cidade de BH, cuja vocação para a liberdade ainda é sonho para os pobres.

Com mulheres como Mameto Munhandê aprendo todos os dias que mais é menos; que nunca seremos completas por sermos apenas iniciadas; mas que somos rainhas soberanas em nossos reinos de tradição, oralidade e fé. São mulheres como ela que fazem nossa luta valer a pena, pois nunca desistiram, nem desistirão de um filho ou uma filha suas. Que mesmo na adversidade imposta pelo racismo, ergueram e erguerão suas vozes para dizer nós temos fé, nós temos tradição ainda que não compreendidas pelo racismo, pelo preconceito. Elas sempre dirão que o problema do racismo é do racista, pois elas são Marias do mundo e da vida, elas são Munhandês, aves cheias de graça!! Por isso, lhe tomo a bênção hoje, como lhe tomei ontem e tomarei a mesma bênção amanhã!. Porque quero simplesmente espelhar um pouco de sua garra, de sua luta; mas, acima de tudo, de seu orgulho de ser a Matriarca da a Senzala de Pai Benedito, é a Senhora absoluta de Manzo Ngunzo Kaiango.  

Foto: Ricardo Laf

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