Gente da Canjerê – Raisla e João

Por Roger Deff

Editor da revista Canjerê, rapper, jornalista e mestre em Artes pela UEM

Filhos da empreendedora cultural; Cida Santos; João e Raisla, respectivamente com 19 e 16 anos, se inspiram na caminhada da mãe em suas trajetórias. João é poeta e se dedica à escrita desde criança, encontrando na palavra sua expressão e ferramenta de denúncia. Raisla, por sua vez, é modelo, consciente do lugar que representa e dos desafios que estão colocados. Os dois irmãos seguem caminhos distintos, mas ambos norteados pelo amor à arte, por uma consciência racial rara para pessoas tão jovens e por uma perspectiva em relação ao futuro que têm como base os ensinamentos da matriarca.

Cida, por sua vez, se descreve como alguém que ama as manifestações artísticas, o que é perceptível em sua atuação junto ao Casarão das Artes. “Eu sempre acreditei que a arte, em todas as formas, é prioridade na educação, na escola, em casa e no dia a dia, e desde que eles eram pequenos, eu incentivava. Sempre os levei aos espaços mais acessíveis, cinema, teatro, muitas vezes espaços gratuitos, e debatíamos sobre o que víamos, sobre o que escutávamos”, conta Cida. A arte é uma das formas encontradas por jovens negros para traduzir e enfrentar as angústias provocadas pelo racismo, como recorda Cida ao relatar como a poesia surgiu na vida de João, o filho mais velho.

 “O João começou a escrever poemas aos dez anos de idade, depois que passou por um ato de racismo na escola, e ele ficou com muita raiva quando uma menina falou do cabelo dele. Então, eu falei pra ele dar um jeito de colocar aquilo pra fora, eu estava fazendo almoço e disse pra ele fazer alguma coisa pra externar aquela raiva, um desenho, um texto, mas para não guardar aquilo dentro dele… E ele voltou com um poema que falava daquela situação, e aquele poema deu espaço a um sarau na escola, que debatia o racismo. Foi muito bonito, e isso influenciou a Raisla também”, relata.  Raisla, a caçula da família, assim como várias meninas negras, não se considerava bonita e hoje segue como modelo em diversos trabalhos, além de ter outros projetos para o futuro.  “Eu vejo a Raisla caminhando, cheia de sonhos, estudando. Ela quer ser psicóloga.  A carreira de modelo segue, apesar que de ser muito difícil em Belo Horizonte para uma menina negra, mas ela está caminhando devagar, ela gosta. Às vezes, as pessoas veem ela como uma representatividade para as meninas, mas é difícil porque tem muitas decepções nessa trajetória”, reflete Cida.

Ao transitar por esses espaços de visibilidade, Raisla avalia de forma crítica como são restritas as oportunidades que jovens negras conseguem acessar. “Não vou dizer que todos conseguem, mas não é algo impossível. É difícil chegar e perceber, por exemplo, que muitas vezes sou a única menina negra nos trabalhos em que atuo”, pondera, evidenciando o quanto o racismo se coloca como desafio a ser superado em diversos contextos. Ela observa também o quanto o contato com a cena cultural moldou sua família, o quanto influenciou a forma como se veem e se colocam no mundo. “Acho que a arte na minha família é algo que acaba unindo mais a gente. Eu criei uma paixão muito grande, principalmente a música; cresci em uma família que tocava de tudo e canta também e vejo muito disto em mim. Hoje percebo o quanto a arte deve ser acessível para todos porque muda a vida das pessoas de um jeito muito mágico”, conclui.

Ao falar dos dois jovens, é necessário também falar da mãe, Cida Santos, fonte maior das aspirações de ambos. Alegre e otimista, durante a nossa conversa, pedi que ela se descrevesse, como alguém que ama a cultura, e por isso desenvolveu diversas atividades ligadas às expressões artísticas, algo que já estava no seio familiar e que ela transmite como um legado.

“Comecei trabalhando com acessórios, casei assim que tive o João e cuidei da minha mãe. E fui trabalhar no artesanato, hoje tenho um brechó com o qual monto acessórios, além de cuidar da casa. Canto, já que é um espaço de arte e de cultura. Como eu me defino? Bom, eu sou a Cida e gosto de poemas porque meu pai também era poeta”, encerra.

Foto Anderson Cassimiro

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