Literatura e Música estão no DNA do Cabo–Verdiano

Por Rosália Diogo, professora, pesquisadora, curadora do Casarão das Artes, gestora do Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado

 

Vera Duarte Valentina Benrós de Melo Duarte Lobo de Pina (Vera Duarte) é cabo-verdiana. Escritora, juíza desembargadora, exerceu até março de 2010 as funções de Ministra da Educação e Ensino Superior e foi presidenta da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e Cidadania, conselheira do Presidente da República e juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, entre outras funções.

A sua primeira obra como escritora foi a publicação Amanhã Amadrugada(1993),  em seguida publicou O Arquipélago da Paixão (2001), A Candidata(2004), Preces e Suplícas  ou os Cânticos da Desesperança (2005), Construindo a Utopia, além de temas e conferência sobre direitos humanos(2007).

Em novembro de 2017, ela voltou a Belo Horizonte para participar da Festa  InternacionalAfroliterária – FLIAFRO, inciativa da Nandyala Editora Livraria e Instituto.  De maneira muito carinhosa e gentil, Vera recebeu a equipe do Casarão das Artes.

Ao falar sobre a atual conjuntura econômica e política de Cabo Verde, elanos revela que a ilha de Cabo-Verde é pequena, localizada na Costa Ocidental Africana, no Oceano Atlântico, próxima de Senegal e de Guiné-Bissau.  Segundo Vera, quando os portugueses chegaram naquele território, em 1460, a ilha era desabitada, e rapidamente, entre 1960 e 1962, as ilhas foram povoadas.

Panorama Político e econômico

Vera Duarte, nesta passagem por Belo Horizonte, nos posiciona historicamente, que Cabo Verde funcionou como entreposto entre as américas e a África, lugar de onde escoavam animais, mercadorias e homens e mulheres que eram transportados na condição de escravizados.

Segundo ela, o seu país tornou-se uma sociedade que se formou de fora para dentro – negros e negras que vieram de outras partes da África trazidos de fora, alguns europeus.  Ela informa que a maior parte das esposas dos homens portugueses não foram com eles para a ocupação da ilha.

Assim, esses homens se relacionavam sexualmente com as negras que lá estavam, o que justifica a formação étnica mestiça no fenótipo, na gastronomia, na religiosidade, sobretudo, na questão do sincretismo.

Ela nos informa que a sociedade escravocrata que ali se formou foi amplamente constituída de escravizados trazidos de outras regiões do continente africano.

Segundo Vera, a independência de Cabo Verde foi efetiva, desde 1975. Para essa conquista, a experiência dos guerrilheiros de seu país, que estavam no front de guerra pró independência do Guiné Bissau, ocorrida em 1974 foi fundamental.

Ela conta que o movimento de 25 de abril de 1974 devolveu a democracia a Portugal e que também foi uma importante contribuição para o processo libertário do seu país.  E, desde então, tudo vai muito bem, obrigada, pois a nação de Cabo Verde é “assinalada por estatísticas mundiais como o segundo país mais bem governado na África, bem como um modelo de prática da liberdade de imprensa, um dos países mais livres do mundo, diz ela.

Um relato muito importante que Vera Duarte faz sobre a história do seu país, por volta de 1947-1948, informa que a população estava passando fome. E, para atenuar a situação, muitas pessoas foram trabalhar nas plantações em São Tomé e Príncipe, país/ilha vizinha, praticamente na condição de escravização. No entanto, a partir da independência, a situação econômica tem se mantido estabilizada no país.

Do ponto de vista do comando partidário, ela diz que o partido revolucionário que conquistou a independência do país, e se manteve na condução da nação durante quinze anos, se submeteu ao sufrágio universal.

Explica que, de maneira democrática, tem ocorrido alternância para a gestão política do país, o que é uma vantagem muito boa em comparação ao que ocorre politicamente em outras antigas colônias.

O nível de educação atingiu o acesso universal, e essa condição foi atingida até mesmo antes da data limite, tendo como referência os objetivos do milênio.

Cabo Verde é um país,de certa forma, pobre economicamente, segundo ela, pois não tem recurso mineral, por exemplo. No entanto, o povo é trabalhador e enfrenta o trabalho no campo com muita boa vontade, embora a chuva não é farta.

No entanto, muitos cabo-verdianos migram para outros países e conseguem enviar remessas para os seus familiares, contribuindo, assim, para a qualidade de vida deles. Outra forma encontrada pelo país para angariar recurso é o turismo.

Segundo Vera, “estamos a buscar o caminho do desenvolvimento econômico mais amplo, ainda que a Organização das Nações Unidas  considere que Cabo Verde é um país em desenvolvimento”.

 

Literatura

Vera Duarte é presidenta da Academia Cabo-Verdiana de Letrase  se mostra bastante feliz quando esse tema lhe é apresentado. Ela diz que a literatura e a música estão no DNA do cabo-verdiano. Para ela, desde o momento que se iniciou o povoamento, houve escrita no país, com a escrita administrativa, relato dos processos de escravização.

No entanto, foi a partir do século dezenove, 1842, com o advento da instalação da Imprensa Nacional, e das Escolas Maternais, que surgiram o fenômeno da literatura criativa. Para ela, a literatura é o meio mais potente de se tratar a realidade.

O primeiro romance que trata de temática alusiva ao país de que se tem registro é de 1856, de José Evaristo de Almeida – O Escravo. A obra descreve, com minúcias, o que foi a situação de escravatura, sobretudo na Ilha de Santiago,que foi o local em que a escravização foi mais acentuada,por ter sido a primeira a ser descoberta, habitada. Portanto, foi a ilha que mais sofreu.

Ela denuncia que as mulheres não têm o mesmo destaque midiático na literatura, como é o caso do homem, mas é potente e crescente a produção literária de mulheres em seu país.

Vera demarca que foi justamente após a independência do país que a escrita das mulheres ganhou a amplitude necessária.  Para Vera, o governo Lula, com a implementação da Lei 10639/03, contribuiu de maneira acentuada para que a literatura produzida por mulheres negras, incluindo as africanas, fossem melhor acessadas no Brasil.

Relação entre homens e mulheres em Cabo Verde

Para nos responder a pergunta sobre como é a relação das mulheres no que se refere ao usufruto dos seus direitos, ela cita a filósofa Ana Arendt “os direitos humanos não estão dados, e sim, em construção”.

Assim acrescenta que desde a independência, a luta pelo direito à igualdade, ao direito humano, à igualdade em todos os campos das relações societárias é contínua. Considera que, em muitas pautas, o país se encontra à frente do Brasil nas conquistas dos direitos da mulher como, por exemplo, no que se refere à interrupção da gravidez.

Em Cabo Verde, desde o século passado, é legalmente aceito que a mulher faça tal interrupção, com até doze meses de gestação, e com o consentimento do pai da criança.

Outro quesito que foi alterado na legislação do casamento no país é o que se referia à nomeação do homem como chefe de família. Para quebrar com essa referência patriarcal, essa condição não existe mais.

A lei atual prega que o casamento se trata em união voluntária entre dois seres iguais, portanto foi dado o mesmo papel para o homem e para a mulher.   Ela foi a primeira mulher a entrar para a magistratura no país, e hoje o país conta com um número paritário de magistrados homens e mulheres.

Vera Duarte considera essa realidade um grande avanço no que se refere às relações entre os sexos no país.

Vera informa que na educação também o país alcançou uma paridade entre meninas e meninos no processo de escolarização. O seu romance A Candidata(2004), discorre, em sua narrativa, sobre as conquistas das mulheres, sobre o seu direito de ser candidata à felicidade, à liberdade, ao amor, às escolhas, a ser sujeito, e não objeto.

Racismo em relação ao negro no Brasil

Para ela, o racismo no Brasil é um problema que sangra, poisa maior parte dos africanos que ela conhece não têm dimensão de como o país é racista em relação ao povo negro.

Ela diz que os africanos são solidários com os negros brasileiros na medida que foram os ancestrais africanos que chegaram aqui, na situação de escravizados, portanto há um sentimento de pertencimento e identificação muito grande entre africanos e brasileiros negros.

Assim, registramos mais uma rica contribuição de uma voz africana no, e sobre o Brasil!

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