Marcos Cardoso, um militante do povo negro

45 anos lutando em busca de uma formação de consciência negra crítica e pela melhoria de vida do povo negro e pobre brasileiro

Fernanda Luá – Jornalista pelo Centro Universitário UniFanor – Wyden e Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará

De Belo Horizonte, Minas Gerais, Marcos Cardoso nasceu no bairro de Santa Efigênia, mas durante sua adolescência criou-se na região do Barreiro, que era conhecida por ser uma localidade onde se concentrava a classe operária. O espaço que o aproximava do movimento operário e das lutas sindicais durante a adolescência fez com que Cardoso inicia um processo que o acompanharia ao longo de sua vida: a militância política, especificamente em prol do povo negro. Hoje, Marcos Cardoso é reconhecido por ser uma das primeiras lideranças, em Belo Horizonte, do Movimento Negro Unificado (MNU), além de ser Filósofo, Mestre em História Social, doutorando em Ciências da Informação e, desde o ano de 1993, trabalha na Prefeitura de Belo Horizonte como Analista de Políticas Públicas. 

A fim de conhecer mais dessa figura tão importante para a militância negra de Belo Horizonte, a Canjerê realizou algumas perguntas a Marcos Cardoso que você pode conferir logo abaixo.

Você se considera e é considerado um militante do Movimento Negro. Como se deu início essa questão na sua trajetória?

Iniciei essa militância a partir do movimento operário, do movimento sindical e também do movimento cultural do grupo de jovens que se organizavam naquela época. Por causa da minha militância no movimento político, ali nos anos 70, eu era uma pessoa inconformada, revoltada e indignada, mas não entendia muito bem as razões dessa minha revolta. Recebi de forma clandestina o Jornal Versos, o jornal da esquerda naquela época e nele havia a seção afro-latina américa e a partir da leitura dessa seção, editada pelo jornalista Hamilton Cardoso, soube que havia sido criado, naquela época, em São Paulo, um movimento negro contra a discrimação racial. Lendo essa seção da revista, passei a me inteirar dessas questões, da existência do racismo no Brasil, de que havia grupos de negros se organizando e passei a tomar consciência dessas questões e comecei a entender a minha própria indignação. No Primeiro de Maio, dia internacional da luta dos trabalhadores, na região do Barreiro, fiz contato com esse militante, o Hamilton Cardoso que estava aqui na cidade e a partir do contato com ele comecei a militância no Movimento Negro Unificado. A partir do contato com Hamilton Cardoso, passei a considerá-lo meu guru, meu mais velho, a pessoa que iniciou minha formação política sobre a questão racial. Fiz o contato com um grupo aqui de Belo Horizonte e desse contato comecei a participar das reuniões e me tornei membro, militante do Movimento Negro Unificado naquele momento.

Quais ações nessa área você considera significativas para você e o Movimento Negro de Belo Horizonte?

O MNU é uma retomada de lutas da trajetória do povo negro do Brasil desde Palmares do ponto de vista da organização coletiva. Somos herdeiros de um passado de lutas e o movimento negro na contemporaniedade é uma continuidade desse processo. A primeira é esse processo de formação da consciência negra que é fundamental e o processo de desnudar o racismo na formação histórica do Brasil. O racismo estrutural, o racismo institucional. Desvelar o mito da democracia racial e desvelar os mecanismos de opressão e dominação do povo negro na sociedade brasileira é a principal questão. Uma coisa importante também é incidir na agenda política, especialmente na agenda dos direitos humanos contra a violência. Inserir esses conteúdos na Constituição do Brasil de 1988. Propor um projeto educacional para o país, um projeto antirracista, plural. A educação para a gente, para a comunidade negra sempre foi prioridade zero, acho que o movimento negro inicide muito nessa área. 

Na sua visão, como Minas Gerais trata a questão Racial?

A questão racial por muito tempo foi invisibilizada, continua sendo invisibilizada, mas com uma densidade menor. Essa trajetória, sobretudo a partir dos meios das redes sociais, a pauta racial tem ampliado bastante, com muita visibilidade. Na medida que os meios de comunicação no passado inviabilizavam a questão do racismo, por outro lado também pautavam as atividades em torno da cultura, mas sem referenciar a herança cultural africana, o movimento negro, sobretudo os artistas negros, as comunidades tradicionais, as comunidades quilombolas. Toda essa pauta passou a ser visibilizada a partir do movimento negro organizado e depois esses segmentos da população negra foram se tornando protagonistas das suas próprias questões. Hoje há uma diversidade, uma pluralidade muito grande de temas estruturantes da vida brasileira, estruturantes da vida da população negra. Nossa tarefa é visibilizar, consolidar essa pauta e propor políticas públicas no sentido de resolver esses problemas.

Na sua trajetória profissional, em políticas públicas, quais contribuições você julga como mais relevantes?

Para ser mais específico, o fato de hoje continuar trabalhando com formação continuada, no campo da história da África, com formação de professores, com vivenciadores do candomblé, com juventude negra e capoeira. Eu considero, por exemplo, a realização do Festival de Arte Negra em Belo Horizonte, em 1995, a pauta da luta contra o Apartheid, a libertação de Mandela na África do Sul e a criação da CPI do Ministério da Igualdade Racial, no campo de produzir uma política nacional de combate ao racismo. 

E na área das políticas públicas?

Eu acredito que as políticas públicas, quando conduzidas por militantes por quadros negros compromissados, tende a avançar. Nesse sentido, me parece que não adianta muito ficar discutindo representatividade, que eu acho até importante porque é uma representatividade simbólica, mas não é uma representatividade real. Essa visibilidade virtual, midiática, às vezes, ela não contribui muito para a real resolução dos problemas no sentido de tirar a população negra dessa situação de humilhação que o racismo e a sociedade brasileira pela sua indiferença, pela sua hostilidade impinge a essa população cotidianamente. Eu penso que essa luta, o empoderamento político dela e o compromisso da intelectualidade negra e seus principais quadros nesse combate é essencial no processo de transformação da sociedade brasileira. Isso no sentido de radicalização, de radicalidade da democracia, esse é um caminho em que a gente tem apostado nos últimos anos. 

O que seria essa radicalização da democracia?

Significa produzir oportunidades iguais, tanto no ponto de vista quantitativo como qualitativo. Sobretudo no campo da economia, da igualdade econômica, no campo de acesso à propriedade da terra, à moradia digna, a um ensino de boa qualidade, acesso ao ensino superior. Acho que caminha por aí, né? No sentido de produzir uma economia da cultura. É fundamental bater o tambor, mas o mais importante é conhecer, valorizar e financiar a mão que toca o tambor. 

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