Por Rosália Diogo, jornalista, professora, pesquisadora, gestora do Centro de Referência da Cultura Popular e Tradicional Lagoa do Nado.
Djamila Taís Ribeiro dos Santos é feminista, pesquisadora, acadêmica, mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – com ênfase em teoria feminista. Nasceu na cidade de Santos/SãoPaulo.
Suas principais atuações são nos seguintes temas: relações raciais e de gênero e feminismo. É colunista online da Carta Capital, Blogueiras Negras e Revista Azmina. Em maio de 2016, foi nomeada secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo durante a gestão do prefeito Fernando Haddad.
Escreveu o prefácio do livro Mulheres, raça e classe da filósofa negra e feminista Angela Davis, obra inédita no Brasil e que foi traduzida e lançada em setembro de 2015.
Iniciou o contato com a militância ainda na infância. Uma das grandes influências foi o pai, estivador, militante e comunista, um homem que mesmo com pouco estudo formal, era culto. A escolha do seu nome, que em swahili, língua falada no leste da África, significa “beleza”, foi feita por seu pai. Djamila tomou consciência, logo na infância, dos significados de ser mulher e negra no Brasil.
Ela comenta o fenômeno do feminicídio ter aumentado entre as mulheres negras (54,2% entre 2003 e 2013), ao passo que diminuiu entre as brancas (queda de 9,8% no mesmo período: “Falta um olhar étnico racial na hora de pensar uma política de combate à violência contra a mulher. As mulheres que combinam opressões ficam em um lugar mais vulnerável. Se a gente não traz os dados sobre isso, não cria políticas públicas para elas”.
Como neste caso, que ela se refere a bell hooks (nascida Gloria Watkins e que adotou o nome de sua bisavó e pede que o usem assim em minúsculo), o empoderamento diz respeito a mudanças sociais numa perspectiva antirracista, antielitista e antissexista por meio das mudanças das instituições sociais e consciência individuais.
A sua fala é objetiva, lúcida e transparente. E, por isso, tem realizado palestras e aulas para explicar por que discorda da ideia de que há meritocracia no sistema educacional brasileiro e defende as cotas nas universidades. “Uma pessoa branca que sempre estudou em escolas boas, comeu bem e tem acesso a idiomas não passa num vestibular como o da USP porque ela é especial, mas porque teve condições para isso. Insistir num discurso meritocrático é escamotear o racismo e o privilégio do grupo branco. Não é uma questão de capacidade, mas de acesso às oportunidades”, comenta.
Em 2017, Djamila participou de um encontro no London School of Economics, no Reino Unido, e argumentou, se referindo ao juiz Sergio Moro, que a decisão de interromper as atividades do Instituto Lula foi feita com uma “canetada”, e complementou: “Juiz não deveria ter lado, juiz não deveria ter partido”, enfatizou ao comentar a torcida em torno da figura de Moro no debate.
Em março deste ano, a filósofa esteve em Belo Horizonte para o lançamento do livro O que é lugar de fala?. Aproveitamos a oportunidade para entabular um gostoso bate-papo com ela.
Djamila nos falou um pouco sobre a sua motivação para ingressar no ativismo político contra o racismo e machismo: “Eu sou filha de militante do movimento negro e desde cedo essas discussões estiveram presentes na minha vida. Mas só fui me perceber como feminista negra quando comecei a trabalhar numa organização de Santos, litoral de SP, chamada Casa de Cultura da Mulher Negra. Foi revolucionário para mim ver mulheres negras pautando nossas questões, escrevendo, produzindo, fazendo projetos. A partir daí só se intensificou”.
Ela conta que teve os primeiros contatos com o movimento negro ainda na infância passada em Santos, cidade do litoral paulista, graças à influência do pai, um estivador, militante e comunista. “Desde muito cedo, eu e meus dois irmãos vivemos nesse meio. Com seis anos, já íamos para atos. A gente debatia esses temas em casa, e meu pai nos fazia estudar a história do nosso povo”, disse.
Indagada sobre por que escolheu a filosofia, e como ela pode nos auxiliar nas reflexões sobre as relações étnico-raciais e de gênero no Brasil, ela nos disse que a filosofia no Brasil ainda é uma área muito branca e masculina, portanto é fundamental que nós, negras e negros, possamos participar das oportunidades de reflexões sobre as desigualdades presentes na sociedade na perspectiva filosófica. Para ela, trata-se de mais um canal para que possamos dar visibilidade às denúncias que constantemente o povo negro faz em relação às diversas opressões experimentadas.
Sobre os oito meses que esteve como secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania na cidade de São Paulo, a ativista afirma que a experiência foi muito importante pelo fato de estar na posição de executora de políticas públicas. Ela disse que o fato de ter feito a gestão em um governo de esquerda, historicamente comprometido com as pautas da inclusão, foi crucial para a inserção de algumas políticas de igualdade racial na cidade. Djamila acentua que, sendo esses espaços pouco ocupados por mulheres negras, ela aproveitou a oportunidade para tentar fazer o melhor que foi possível para reverberar a sinalização de que políticas públicas de combate ao racismo e ao machismo podem ser feitas no país.
No período em que esteve à frente da secretaria adjunta, aconteceu a implantação de programas como o Juventude Viva que concedeu bolsas para 101 jovens se dedicarem aos estudos, a formação em direitos humanos para 40 mil professores da rede municipal e o atendimento psicossocial para mães que perderam filhos vítimas da violência policial.
No que se refere à urgência e recorrente pauta – a solidão da mulher negra –, a filósofa disse que é um tema de extrema importância a ser discutido entre nós. Ela defende o argumento de que essa solidão ultrapassa a dimensão das relações afetivas e se espraia para as esferas econômica, institucional, do mundo do trabalho e das inter-relações como um todo.
Ao comentar sobre o conteúdo do livro que a trouxe a Belo Horizonte, O que é lugar de fala?, Djamila disse que ainda falta um longo caminho para que a fala da mulher negra alcance visibilidade. Para ela, existe uma luta constantemente travada com o mercado editorial que se nega a publicar textos de mulheres negras.
Essa negação do reconhecimento do potencial de escrita dos negros realça a contundência do racismo e os meandros das relações patriarcais no país. Ribeiro comenta que ela e outras mulheres negras têm feito a publicação dos seus trabalhos na raça e coragem.
No que refere-se à relação estabelecida com outras mulheres negras, feministas, que lhe serviram e servem de inspiração, a escritora diz que a luta dessas mulheres é que orienta os seus passos. São muitas mulheres nesse campo do enfrentamento étnico-racial e de gênero: Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Beatriz Nascimento, Grada Kilomba, Zora Neale Hurston, Angela Davis, Maya Angelou, Luíza Bairros, Patrícia Hill Collins entre outras.
Ribeiro diz que sua existência é sinal de resistência a partir da inspiração das ações empreendidas por essas mulheres no passado. Djamila diz que é fundamental que a juventude negra saiba que foram essas mulheres que solidificaram o caminho que pisamos hoje em prol de relações mais igualitárias do ponto de vista de gênero e raça. A filósofa cita a médica, ativista e pesquisadora Jurema Werneck, que um dia escreveu “Os nossos passos vêm de longe” para reafirmar que ela vem seguindo as pegadas dessas mulheres para avançar em busca de um cenário mais favorável para negras e negros na disputa por lugar confortável de fala no Brasil.
No mês de junho, Djamila retornou a Belo Horizonte para um novo diálogo com o público e para o lançamento do livro Quem tem medo do feminismo negro, que reúne um longo ensaio autobiográfico inédito e uma seleção de artigos publicados por Djamila Ribeiro no blog da revista CartaCapital entre 2014 e 2017.