O impacto da herança africana no design de móveis

Por Matheus Ramos – Bacharel em Design pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estuda o artesanato autóctone brasileiro, design de móveis, cultura popular brasileira.

Ao estudarmos a história da África, percebemos que a produção de informações a respeito de suas diversas sociedades subsaarianas é algo recente em termos historiográficos com início do seu apogeu a partir da Segunda Guerra Mundial, e ao olharmos a formação da sociedade brasileira notamos que esta foi intrinsecamente modelada sobre a influência desses povos africanos de modo que quatro séculos de escravidão conectaram profundamente a África Atlântica ao Brasil.

Cada vez mais tornam-se aparentes os elementos culturais da herança africana na sociedade brasileira à medida que os estudos avançam, pois observa-se que os africanos, além de suas festividades, linguagens, religiões, pratos culinários, técnicas tradicionais de construção, vestimentas, músicas, jogos, também trouxeram suas estruturas familiares e de poder e as reproduziam dadas as circunstâncias. E da mesma forma que a África impactou o Brasil, nós impactamos a África levando nosso estilo de vida para lá que guarda sua herança brasileira nas cidades de Lagos, Porto Novo, Aguê e Anexô.

Hoje podemos desfrutar desses ricos estudos que desvendam as heranças culturais entre Brasil e África utilizando dos seus elementos e produzindo novas linguagens que reconectam estas sociedades separadas pelo oceano Atlântico.

África e design – Alaká ou Pano da Costa é um tecido oriundo da tecelagem manual africana que chegou ao Brasil a partir de meados do século XVI durante a colonização da América, e que possui sua importância e utilização até os dias de hoje principalmente na cultura afro-brasileira¹.

De acordo com o historiador Luis Henrique Dias Tavares, o Pano da Costa foi intensamente consumido no Brasil no século XVIII e início do século XIX por via da comercialização de artigos ingleses e franceses na costa ocidental africana.

No Brasil, havia um forte comércio localizado na Bahia. Depois do século XIX, a indumentária popularmente usada na Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Congo, Benin e Senegal tornou-se costume das crioulas que habitavam Salvador, Rio de Janeiro, Recife e Minas Gerais².

Atualmente o Alaká possui grande importância dentro do universo das religiões de matriz africana e compõe comumente o vestuário das mães de santos.

Existe um terreiro de Candomblé em Salvador de nação Iorubá chamado Ilê Axé Opô Afonjá no qual é mantida a associação de artesãs Casa do Alaká que preservou a produção artesanal autóctone do Pano da Costa, e através da artesã Iraildes o tecido foi confeccionado especialmente para a fábrica América Móveis, compondo a poltrona Alaká, agregando assim valor histórico-cultural para o design brasileiro.

Mas isso só foi possível graças a um africano, o mestre Griot, senegalês Doudou que foi o interlocutor entre o designer e a artesã. O interessante neste ocorrido foi o fato de um africano estabelecer a conexão entre dois brasileiros para que um comércio bem sucedido fosse concretizado.

A forma da poltrona nasce da relação entre o religioso e o tecido. O processo possui semelhança com o que o artista e pesquisador Abdias Nascimento fez ao criar o logotipo, em 1983, da revista Afrodiáspora ao trabalhar com simbologias religiosas de matriz africana como está descrito no Relatório do 3º Congresso de Cultura Negra das Américas³.

No caso da poltrona, contou com as simbologias sacro religiosas Exu e Xangô. Exu por causa de sua rica simbologia gráfica que sugere um leque amplo de formas e linhas retas que se cruzam principalmente de modo inclinado em um eixo vertical central, e Xangô por ser o Orixá, regente do terreiro centenário Ilê Axé Opó Afonjá que mantém a tradição do fazer manual do Alaká e as características africanas.

Destes dois elementos principais foram escolhidos alguns específicos como as linhas retas inclinadas das simbologias de Exú que se cruzam e o machado de duas faces da simbologia de Xangô que foram transportados para o desenho.

As linhas inclinadas assumiram as pernas da poltrona e o machado de duas faces assumiu o conjunto assento e encosto do móvel, já o pano Alaká, sendo acessório do vestuário afro-brasileiro, assume seu próprio papel de indumentária transportado da vestimenta feminina para compor a vestimenta do encosto da poltrona.

Finalmente, os braços de aço destacam-se na poltrona como o material metálico do projeto, escolhido em virtude da cultura milenar africana da arte metalúrgica tendo como exemplo inspirador as esculturas de bronze da cidade de Ifé localizadas hoje na Nigéria que remontam há mais de 500 anos a.C.

O resultado final é uma poltrona contemporânea ou “Novo Design”, expressão usada por autores como Andrea Branzi e Beat Schneider, que carrega aspectos estéticos e simbólicos multiculturais, aproximando o design da arte e do artesanato. Carregada de significados afro-brasileiros, a poltrona Alaká é capaz de transmiti-los não somente pelas suas formas, materiais e texturas, mas também pelo seu nome e conceito que são sua identidade.

O pesquisador Donald Norman chamou isso de design reflexivo no qual a mensagem que um produto transmite possui grande relevância e, dependendo do caso, até mais relevância que o próprio objeto. E nesse móvel, o objetivo é valorizar e divulgar parte da herança africana no Brasil.

NOTA: A poltrona Alaká compõe a linha de poltronas Brasilidades que representa as três principais matrizes socioculturais que formaram o povo brasileiro, sendo que a Alaká representa a matriz afro-brasileira.

Referências:

SILVA, Alberto da Costa e. 5. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África / Alberto da Costa e Silva. – 5.ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 2011.

¹ ²Bahia. Governo do Estado. Secretaria de Cultura. IPAC.

Pano da Costa./ Bahia. Governo do Estado.

Secretaria de Cultura. IPAC.- Salvador: IPAC; Fundação

Pedro Calmon, 2009.

128p.: il.

Link: www.ipac.ba.gov.br/wp-content/uploads/2012/04/Pano-da-Costa.pdf

³ Afrodiáspora – Revista do mundo negro, Ipeafro, PUC-SP, ano 1, n. 1. Janeiro-abril, 1983.

Link: http://ipeafro.org.br/acervo-digital/leituras/publicacoes-do-ipeafro/afrodiaspora-vol-1/

NORMAN, D. 2004. Design Emocional: Por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia; tradução Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco, 2008, 278 p.

Créditos:

Artesã: Irá do Alaká
Designer: Matheus Ramos
Fabricação: América Móveis

Agradecimentos:

Mestre Griot: Doudou
Professor do curso de design da UFMG: Glaucinei Rodrigues Correa
Professora do curso Formação Transversal em Relações Étnico-raciais: História da África e Cultura Afrobrasileira da UFMG: Shirley Aparecida de Miranda

Designer protótipo: Geraldo Coelho
Arte gráfica: Carolina Ramos

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Thiago Xavier

Você se chama Thiago Xavier, Você é um você é especialista em marketing digital e gestão de pessoas, da dicas (sinceras) de Marketing no instagram e em suas aulas, é Especialista em CloudFlare, e desenvolvedor de de sites e landing pages de Alta Performance, é Consultor parceiro do SEBRAE.

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