Jaice Balduino Jornalista, especialista em redes sociais e assessora de imprensa e comunicação
“Acredito que um artista precisa estar presente no seu tempo”, é o que afirmou Carlandréia Ribeiro, ao citar uma de suas maiores referências, Nina Simone. Essa frase sintetiza o papel que a arte desempenha em sua vida e em sua luta por um mundo mais justo e consciente. A artista tem uma história marcada pelo teatro, pela ancestralidade e pela resistência cultural.
Nascida em Belo Horizonte, mas criada em Ibirité, Carlandréia encontrou no teatro o seu chão. Ainda criança, antes de sequer visitar um teatro, já criava espetáculos em seu quintal, inspirada pelos musicais que assistia na televisão e pelas novelas de rádio que ouvia com sua mãe. A televisão, que chegou à casa de seu avô quando tinha cerca de sete anos, tornou-se uma janela para um universo fascinante. Ela ficava encantada com os musicais de Hollywood, as grandes produções com Ginger Rogers e os cenários deslumbrantes. Essa fascinação, combinada com as novelas de rádio que sua mãe ouvia, levou-a a criar o que chama de “teatro de quintal”.
Criava histórias, montava espetáculos para os meninos da rua e organizava festas escolares, sempre se apresentando com a convicção de que era atriz, cantora e bailarina – mesmo quando, ainda criança, isso soava engraçadinho para os adultos à sua volta. Mas essa paixão não foi passageira. Aos 11 anos, montou “Morte e Vida Severina” com seus colegas de escola, e foi nesse momento que sua trajetória teatral começou a tomar forma. Ela mergulhou profundamente no teatro, uma paixão que se consolidou ao longo de sua juventude.
Um dos marcos mais importantes de sua carreira foi a participação em um projeto de oficinas de teatro em Ibirité, conduzido por grandes nomes da dramaturgia, como José Roberto de Alvarenga, Luiz Carlos da Rocha e Antônio Carlos Cardoso. Com esse contato que sua vida mudou. José Roberto viu nela um talento especial e a convidou para estudar teatro em Belo Horizonte. E lá, Carlandréia encontrou o palco profissional, estreando na peça Vivo Legare em 1984.
A relação da atriz com a arte transcende o palco. Ela enxerga a arte como uma ferramenta de transformação social. “Eu acredito na função social da arte”, afirma, ressaltando que o artista tem a responsabilidade de se conectar com o seu tempo e com as questões urgentes da sociedade. Para Carlandréia, a arte também é uma forma de cura e resistência. “Nós somos um tipo de medicina para nós mesmos”, disse ao refletir sobre o papel que a arte desempenha na manutenção da sanidade e no enfrentamento das injustiças.
Sua entrada no Movimento Negro também se tornou um ponto de virada em sua vida. Em 1988, conheceu figuras como Rosália Diogo e Makota Celinha, e foi nesse momento que a África “caiu pesadamente” em sua vida. Foi um encontro profundo com sua ancestralidade, um momento em que passou a se ver como uma mulher negra bonita, forte, capaz de ocupar espaços e de construir uma narrativa própria sobre o que significa ser negra em um país como o Brasil.
Essa conexão com suas raízes também se expressa nos ditos yorubás que Carlandréia Ribeiro carrega consigo, como o ensinamento sobre o ori, que simboliza os combinados que fazemos antes de vir ao mundo. Para ela, encontros como o que teve com Conceição Evaristo são reflexos desses combinados ancestrais. A escritora é uma grande inspiração em sua vida, não apenas pela potência literária, mas pelo acolhimento afetivo e intelectual que proporcionou. “Conceição Evaristo, para mim, é uma espécie de guia espiritual, uma referência de resistência e memória”, contou emocionada.
A relação de Carlandréia com o Canjerê também é carregada de simbolismo e resistência: “O Projeto Canjerê é como um espaço de reconstrução de memórias, um local onde a ancestralidade se faz presente e me projeta. Para mim, o futuro é ancestral, e o trabalho desenvolvido em tudo que abraça o Instituto Casarão das Artes Negras, é parte fundamental dessa jornada de reencontro com as raízes africanas e de projeção de um futuro mais justo e consciente”, afirma.
Carlandréia é, sem dúvida, uma artista presente no seu tempo, uma mulher cuja trajetória é marcada pela arte, pela luta por justiça social e pela profunda conexão com suas origens. Sua história é um testemunho da força transformadora dessa crença.
23ª edição